Querer

10-06-2024

As crianças não têm querer.

Fui educado assim e agradeço. Enquanto puto só tinha querer quando os adultos não queriam tomar as decisões incómodas. Tirando esses pequenos quereres, que eu bem dispensava, não tinha voto na matéria. Era excelente. 

Antes das refeições, ninguém me perguntava o que eu desejava. Davam-me o que lhes parecia mais adequado para uma criança, ou o que sabiam que eu gostava, ou simplesmente o que lhes apetecia. Se fazia fita e não queria ou dizia que não gostava, o prato era guardado para a minha próxima refeição. Resultado? Passei a gostar de tudo. Ainda hoje. É muito bom não ter limitações gastronômicas. Dá jeito.

Queres vestir isto ou aquilo? Vestia o que me davam para vestir e pronto. Era simples. Podia gostar ou não, mas sabia que isso não ia mudar a maneira como me ia vestir. Lembro-me especialmente de uma meias de malha branca muito duras e desconfortáveis. Ainda por cima vestiam-se em dias de cerimónia, com calções. Detestava. Só me dava mais ainda mais prazer chegar a casa e tirar as meias. Lembro-me de as esconder no fundo da roupa suja para demorarem mais a ser lavadas.

O bom que era quando não perguntavam o que eu queria para prenda e anos e aparecia exatamente o que eu desejava. Sentia-me muito bem por me conhecerem tão bem. Que piada teria se tivesse pedido a prenda? Queres? Toma, é só comprar, e nem pensar nisso.

Acho muito sinceramente que obrigar uma criança a ter querer é dar-lhe um fardo que não a tornará feliz. São os crescidos que têm que escolher, sabem o que é melhor para a criança. 

Lembro-me também que me preocupava com coisas importantes. E tinha quereres. Com que carrinhos brincar, com o que ia fazer com os meus amigos, que jogo ia jogar... 

As crianças devem ser crianças e o adultos adultos. Mas esta é só a minha opinião.